26/10/2013

Crítica: Os Suspeitos (2013)


Avaliação: ✪✪✪✪

(Prisoners, 2013, EUA. Direção: Denis Villeneuve. Com Hugh Jackman, Jake Gyllenhaal)

Quando li a sinopse de "Os Suspeitos" confesso que torci o nariz. Motivos não me faltavam: quantos filmes sobre sequestros de filhos já foram feitos? E o quanto tal gênero anda saturado, carente de trabalhos mais profundos?

Mesmo assim, pela falta de opções atrativas em cartaz, resolvi comprar o ingresso. E acabou sendo o melhor investimento "cinematográfico" que fiz em 2013. Me surpreendi positivamente durante os 153 minutos da trama.


Grande parte da força do longa fica para a construção dos detalhes técnicos onde o diretor canadense Denis Villeneuve e toda a sua equipe trabalharam com um primor digno dos suspenses policiais de David Fincher (não é atoa que os críticos americanos encontraram semelhanças com "Seven"). Momentos antes de sabermos que as filhas das famílias Dover e Birch desapareceram, a câmera se aproxima lentamente do tronco de uma árvore em frente a casa onde estavam todos comemorando o dia de Ação de Graças. Tal enquadramento já indica que o clima de suspense irá arrematar todos os espectadores. A fotografia fria e o tempo chuvoso e nevoo contribuem ainda mais com o clima de apreensão.

Só esse fato de conseguir envolver o público com a investigação do desaparecimento das crianças já determinam a competência da produção. O foco na parte psicológica dos personagens, conduzida de maneira tangível pelas ótimas interpretações dos atores envolvidos determinam que "Os Suspeitos" seja mais do que competente, mas sim essencial para os apreciadores do gênero.

Hugh Jackman está incrível na pele do protagonista Keller Dover. Seu personagem não é fácil, uma vez que foge do padrão comum: Dover se desespera com toda a situação, mas sua conduta é tão humana e real que o faz passar muito longe de ser o habitual bom moço. Dover busca justiça com suas próprias mãos quando acha que a polícia não será capaz de resolver o caso. Age por instinto, cai na bebida, tem condutas falhas. Apesar de toda a complexidade exigida, Jackman demonstra uma habilidade ótima e em nenhum momento faz seu personagem cair em qualquer esteriótipo. Jake Gyllenhaal tem aqui a sua melhor atuação na pele do Detetive Loki. Assim como o personagem de Dover, seu papel é aprofundado. Loki não é apenas um detetive, ele é humano, tem seus anseios e instintos. Esse aprofundamento em sua parte psicológica também contribui e muito com a qualidade do filme. As atuações coadjuvantes também são fundamentais. Paul Dano na pele de Alex Jones é perturbador, desde a sua primeira aparição. Principal suspeito na concepção de Dover, Jones é um jovem conturbado, calado e misterioso, fatores que jogam todos contra ele.

Outro fator a se destacar é o desenvolvimento da trama. Quando Loki passa a investigar cada suspeito, cada casa, observamos a riqueza de detalhes nos ambientes e em cada pessoa, o que deixa o público ainda mais nervoso e confuso para a resolução do crime.

<b> A partir do parágrafo abaixo, recomendo que leiam apenas os que já assistiram o filme. </b>


Uma das partes mais perturbadoras do filme é quando Loki entra na casa de um dos suspeitos e encontra, em um dos cômodos, várias malas grandes jogadas ao chão. Impossível não ter um ataque de nervos e se colocar na pele do detetive. A cada mala aberta o coração começa a palpitar mais forte. As cobras dentro delas revelam o quão psicótico é o suspeito e junto com toda a ambientação da casa, como os labirintos desenhados por todas as paredes criam um cenário apavorante. Essa parte, pelo menos em minha concepção, é o melhor momento da fita.

Quando Dover captura Jones, quem ele julgou como suspeito, e o passa a torturar, temos uma noção do quanto o diretor foi feliz na realização deste longa. Uma simples atitude foi o suficiente para abrir uma interessante discussão sobre a psicologia e valores do ser humano. Há quem julgou Dover como tão cruel quanto o sequestrador de sua filha e há quem se colocou no lugar do personagem e se viu tendo a mesma atitude e, consequentemente, fazendo uma autoanálise.

A única ressalva fica para uma das cenas do ato final. Quando a filha da família Birch reaparece e é internada no hospital, ao ver Dover na sala, ela o olha desesperada e indaga: "- Foi você que colocou aquelas mordaças na gente!". Ao observar a conclusão da história, essa passagem se torna sem confusa, uma vez que não foi Dover o autor do rapto das meninas. Seria um delírio da menina por estar sedada ou foi apenas uma tentativa de criar mais um nó na cabeça do público? Se a resposta foi a segunda opção, então a intenção do diretor se saiu gratuita e desnecessária.

Mesmo assim, "Os Suspeitos" pode ser considerado uma ótima surpresa em vários aspectos: para quem não esperava mais um grande filme estrear no circuito em 2013, para quem leu a sinopse e não esperava coisa boa (assim como eu) e para quem estava à espera de um suspense policial digno, o que não acontecia há um bom tempo. Mais do que um filme, é uma prova que o cinema pode ser bem melhor quando é rico em detalhes.
Quanto ao diretor Villeneuve, este pode ter um grande futuro. Basta apenas ter boa vontade e não deixar se influenciar pelos cacoetes de Hollywood.

Avaliação: 8.5/10.0