03/01/2014

Crítica: O Nevoeiro, de 2007.

                       
Avaliação: ✪✪✪✪
Título Original: The Mist
Ano de Produção: 2007
Direção: Frank Darabont
Roteiro adaptado de Stephen King
Elenco: Thomas Jane, Marcia Gay Harden, Laurie Holden, Andre Braugher, Toby Jones.


Se existe algo que sempre questionei em minha vida é sobre a racionalidade humana. Nas aulas de ciências aprendi que o homem é o único animal racional. Cientificamente pode até ser verdade, mas na vida percebemos o quão tal afirmação é enganosa e por isso nunca concordei com meus professores. Se o homem é um ser racional, ou seja, usa a razão, por qual motivo a humanidade precisa de leis para que a convivência em sociedade tente ocorrer da maneira mais civilizada possível? Por qual motivo é tão difícil o homem criar uma personalidade própria, buscando conhecimento muito além do que é vendido pelo governo e pela mídia? Por qual motivo é tão difícil ao homem respeitar às diversidades alheias (étnicas, sexuais, religiosas, etc)?

São por esses questionamentos pessoais que devo ter gostando tanto de "O Nevoeiro". O roteiro adaptado do mestre Stephen King, conhecedor exímio não só do suspense em si, mas também dos instintos e valores humanos, é conduzido por Frank Darabont, este que a transforma em uma obra que mescla entretenimento com conteúdo, ambos com uma ótima qualidade. Não se poderia esperar algo diferente desta união entre Darabont e King que já tinha rendido obras-primas como "Um Sonho de Liberdade" e "À Espera de um Milagre".

- As pessoas são boas. Somos uma sociedade civilizada
- Claro. Contanto que as máquinas funcionem e o 190 atenda. Tire isso, deixe tudo mundo no escuro e assustado e as regras se vão. 

Ao confinar pessoas de diferentes credos e ideologias em um supermercado após um nevoeiro misterioso acometer o lugar e sem nenhum meio de comunicação, o filme explora ao máximo a natureza sombria do ser humano. O medo e o encarceramento dessas pessoas servem como metáfora para a própria vida em sociedade. Afinal, saímos de nossas casas com medo de sermos assaltados, assassinados ou de sofremos acidentes, uma vez que o nosso mundo é cercado de mistérios e perigos. Ainda mais com os jornais, rádios e programas de TV contribuindo para aumentar essa sensação de pânico, noticiando sempre violência e mais violência. O mundo em si é um palco de terror. E o mundo é representado no filme pelo tal "nevoeiro".

Após descobrir que nesse nevoeiro estão criaturas alienígenas, o pânico fica ainda maior. O medo da morte faz florescer os mais variados comportamentos naquele grupo de pessoas. Enquanto uns se unem e buscam na confiança ao próximo e na esperança meios de sobreviverem, outros passam a ter atitudes mais monstruosas do que a própria ameaça externa. Um exemplo disto é a religiosa fervorosa Carmody (Marcia Gay Harden, espetacular por sinal, ofusca até mesmo o protagonista de Thomas Jane), que explora o medo das pessoas para aliená-las. Carmody, de uma simples coadjuvante, passa a ser uma autoridade divina para o grupo, ao associar os acontecimentos às passagens bíblicas, convencendo uma grande parte dessas pessoas que tudo aquilo é culpa da perversão humana e que todos estariam pagando caro pelos seus pecados. Conquistando a confiança desse grupo graças às coincidências dos fatos, Carmody passa a ser intocável, comandando julgamentos e decidindo quem deve sofrer punições ou não. (Qualquer semelhança com a vida real não é mera coincidência). Sim, a maioria das pessoas busca a religião por medo do desconhecido e o texto do filme reflete isso brilhantemente.
O mais interessante é que Darabont faz toda essa profunda reflexão ser, ainda, uma obra de entretenimento. O clima de suspense muito bem dirigido pelo diretor nos faz ficar com os olhos pregados na tela e nos sentirmos dentro de todas aquelas situações. Por mais que o roteiro tivesse conteúdo, não seria muito difícil o transformar em algo intragável nas mãos de um diretor qualquer.

Quanto ao desfecho, muitos torceram o nariz, o considerando como desnecessário. Já em minha opinião, não achei apenas fantástico, mas também necessário para a complexidade da obra. Darabont acertou em se manter fiel à obra literária de King, pois dar um final feliz diminuiria e muito o impacto geral do filme. Ao transformar a figura, até então heróica, de Drayton em ruínas, que apesar de toda sua coragem e determinação pela sobrevivência, acaba perdendo suas esperanças juntamente com o combustível do carro que guiava seu grupo, a história ganha um ponto final memorável. É com essa mensagem que nunca podemos perder nossa esperança (esta a qual é abordada como tema principal em suas adaptações anteriores de King), que Darabont fecha seu perturbador e ousado filme de terror, onde o ser mais aterrorizante é o próprio homem e seus medos.

Obs.: Para mim, a parte mais genial e perturbadora do filme é quando um dos militares presentes no supermercado acaba revelando que o governo estudava a existência de seres extraterrestres e que haviam aberto um portal entre a Terra e o mundo desses tais seres, o que acabou gerando tal fenômeno. Nessa altura a fanática Sra. Carmody já tinha “alienado” a grande parte das pessoas e ordenou que o militar fosse punido de acordo com suas interpretações das escritas sagradas, como se ele fosse o único responsável pelo acidente, de acordo com as escrituras sagradas. Com certeza, uma das maiores críticas do fanatismo já abordadas pelo cinema.