21/11/2014

Vitimismo e meritocracia

Ler comentários postados em redes sociais e portais de notícias vem sendo tarefa cada vez mais amarga. A ignorância, o preconceito, a desonestidade intelectual e o excesso de Ad Hominem estão se propagando de tal maneira que é preciso ter um estômago muito forte para suportar.



A nova modinha é a utilização da palavra "vitimismo" para minimizar os preconceitos sofridos por grupos minoritários e oprimidos. Se um negro reclama que sofreu racismo ele está se vitimizando. Se um homossexual foi agredido por razões homofóbicas, também está querendo se fazer de vítima. O mesmo acontece com um miserável que reclama por não ter o que comer: "Enquanto ele se vitimiza, poderia estar trabalhando e ganhando seu sustento".

Essas acusações de "vitimismo" quase sempre são acompanhadas pela inversão entre oprimido e opressor. Em um caso de racismo, onde uma pessoa negra foi insultada de "macaco", por exemplo, aparecem vários brancos "argumentando" coisas do tipo "ah, me chamam de branquelo, então também sofro preconceito". Quando um gay apanha, é morto ou sofre preconceito, são frases como "milhões de héteros apanham ou morrem todos os dias. Isso é heterofobia?" e "não se pode nem ter uma opinião hoje em dia. Daqui a pouco vai ser crime ser hétero (rsrs)" ou até mesmo "apanhou porque deveria ter mexido ou estar se pegando em público!" que ganham destaque pela classe média branca-cristã-hetera que deve sofrer muita discriminação no dia-a-dia.

Os números que comprovam o "vitimismo" dos negros. Fonte: Wikipedia.


Os preconceituosos estão adotando essas estratégias para exercerem seus preconceitos. A defesa da liberdade de expressão (só para eles), a inversão da opressão e a santificação do preconceito (não sou quem diz, mas sim a Bíblia!!) demonstram o quão ridículas essas pessoas e seus argumentos são. Chega a ser engraçado elas chamarem opressão de liberdade de expressão e serem contraditórias com o próprio termo ao não aceitarem opiniões contrárias. Quando utilizam o termo "vitimismo", essas pessoas ignoram que, na verdade, elas próprias estão se fazendo de vítimas. Grupos como os negros e LGBT's são vítimas de preconceitos históricos que, infelizmente, continuam acontecendo até os dias atuais. As provas disso são evidentes: quantas pessoas negras moram em bairros nobres e quantas em favelas? Se existirem dois suspeitos de um crime, sendo entre um branco e outro negro, de quem as autoridades e a sociedade mais desconfiará? Quanto aos heterossexuais, sofrem hostilização nas ruas pelo simples fato de serem héteros? Casais héteros são repreendidos quando estão se beijando em público? Existem pessoas que se acham no direito de limitar as liberdades individuais de héteros, como com quem e como podem se casar, se podem ou não adotarem filhos? Não é inegável que um homossexual, ainda mais o afeminado, seja mais vulnerável nas ruas do que um heterossexual?

Portanto, se você é branco, heterossexual, classe média e cristão e ainda por cima acha que está sofrendo opressão por parte de minorias, parabéns, tu és um grande ignorante e desonesto intelectual. Saia dessa bolha e veja o mundo com os olhos da realidade, afinal quem dera se não existisse mais racismo, homofobia, machismo, etc. e estas pessoas apenas se fizessem de vítimas.

O mais triste é que tem gente dentro desses grupos minoritários que sustentam esses argumentos. Estes me fazem crer que ou não conhecem a si próprios ou possuem uma mentalidade tão vulnerável a ponto de aceitarem e apoiarem seus opressores para se autoafirmarem e se sentirem mais "inclusos" dentro da sociedade. Como afirmou Simone de Beauvoir: "O opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos."



Por fim, chego no assunto da meritocracia, outra expressão que está na moda, que não passa de uma mera utopia. Para se haver mérito, todas as pessoas inclusas na sociedade deve possuir as mesmas oportunidades e sem a ocorrência de desigualdades sociais. Dentro de um grupo, vamos supor de um milhão de pessoas, se uma pessoa não tiver as mesmas oportunidades do que o restante do grupo, a meritocracia já se torna uma filosofia falida. Se a meritocracia não pode ser "justa" e sustentável nos países mais ricos, quem dirá num país como o Brasil, uma nação que está ainda muito longe até mesmo de chegar perto da erradicação da pobreza. Afinal, como considerar que uma pessoa pobre, que estudou em uma instituição pública de péssima qualidade e outra pessoa, rica que os pais pagaram para ela estudar na melhor instituição de ensino da cidade, terão as mesmas oportunidades na vida? A meritocracia, aliás, muitas vezes não consegue ser sustentada nem em empresas, onde os bajuladores costumam possuir mais chances de crescimento do que quem realmente é bom funcionário.

Criticar os programas sócio assistenciais em defesa de uma sociedade meritocrática só evidencia o quanto a pessoa é ignorante com relação a estruturação social e egoísta a ponto de querer enxergar somente o que ela quer ver, no caso, o próprio umbigo. Em tempos reacionários, defender justiça social é um cansativo trabalho de paciência. Felizmente, ainda me resta um pouquinho.

3 comentários:

  1. A vida é dura pra quem é mole, mano. Preconceito todo mundo sofre, problema todo mundo tem, ninguém tem vida fácil.
    Quem é bom em arrumar desculpas, não é bom em fazer nada, só arrumar desculpa. Em vez de escorar em ativismo coitadista, melhor enfiar a cara num livro, ter profissão, ser útil. Pode crer que dá certo.

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  2. Muito bom seu artigo...é pena que muitas pessoas não consigam entendê-lo, como o lunático aí em cima. Senso comum pra esse aí é o recenseamento do governo...rsrsrs

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  3. Ótimo texto, pena que em um país racista lutar por questões sociais é sinônimo de vitimismo. É como um Judeu tentando argumentar com Nazista.

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