24/06/2015

O cidadão de bem

Quem é o cidadão de bem?

É geralmente homem, branco e de classe média, ou classe média alta.

É quem é contra o aborto por se dizer a favor da vida, mas defende com unhas e dentes a morte de bandidos geralmente pobres e não-brancos.

É quem acredita que a criminalidade será extinta através apenas de punição como cadeia ou pena de morte e não através de uma melhor distribuição de renda e melhorias de infra-estrutura.

É quem critica a exibição de afeto entre pessoas do mesmo sexo, mas aplaude cenas de violência.

É quem defende a família, mas agride a esposa e a chama de vagabunda cada vez que ela deixa ou demora a fazer um serviço doméstico.

É quem até mesmo trai a esposa, mas se diz contra a safadeza - muitas vezes esse termo é utilizado como sinônimo de homossexual.

É quem fica orgulhoso quando o filho de 12 anos já "comeu"  uma menina e reprime, muitas vezes até de maneira violenta, se a filha de 16 anos aparecer com um namorado.

É quem pede respeito por ser cristão, mas sequer respeita seguidores de outras religiões. Blasfêmia é inadmissível, mas chutar macumba é divertido.

É quem critica diariamente a corrupção de políticos, mas suborna, faz gato de energia e água, sonega impostos...

Todas as barbáries que ocorreram ou ainda ocorrem no mundo são feitas por aqueles que se dizem cidadãos de bem.

O cidadão de bem é aquele que explora os mais necessitados, que julga todos aqueles que não se encaixam em seus "padrões", que pratica intolerância em todas as suas formas e que chama todas as suas vítimas de inimigos.

O cidadão de bem, enfim, é o retrato de uma sociedade hipócrita e adoecida. Não é por acaso que o jornal da KKK tinha o título de "Good Citizen".






08/06/2015

As Paradas gay e o tiro pela culatra

Há muito tempo venho dizendo que as paradas gay, especialmente no Brasil, perdeu o sentido da militância pra virar apenas uma espécie de "carnaval" gay, com a grande maioria indo somente para encher a cara e passar o rodo. Me preocupo com isso? Sim. Pela questão moral? Não, não sou moralista.
O problema é mais embaixo.
Essas paradas ganham uma extrema visibilidade, principalmente quando acontecem nas principais cidades do país, como São Paulo e Rio de Janeiro. Como o consumo de álcool e drogas é elevado e prática de atos sexuais em áreas públicas são frequentes, tudo isso vira arma contra o próprio movimento.
Se meia dúzia de héteros praticam orgia em vias no Carnaval, por exemplo, são tratados como safados individualmente... Quando quem pratica isso são os gays, o que acontece? Somos generalizados. "Tá vendo? Querem respeito mas são todos promíscuos".
A culpa disso é dos LGBT's? Claramente não. Se a sociedade diz que não tem preconceitos, mas generaliza na primeira oportunidade, o problema claramente não é nosso. Mas como esperar que a mente retrógrada da sociedade, especialmente a parte fundamentalista dela, entenda isso?


E mesmo quando pessoas utilizam esse movimento para militar,as coisas dão erradas. Ontem, na parada que aconteceu na capital São Paulo, uma trans protestou fazendo uma metáfora com o que aconteceu, por exemplo, a Jesus Cristo, sendo crucificada. O protesto é relevante e válido, mas os fundamentalistas não perderam tempo e começaram a vender tal ato como desrespeito religioso.
Quem conhece História sabe que Jesus Cristo não foi o primeiro e nem o último a ser crucificado, porém mesmo se a intenção da pessoa foi de se colocar no lugar de Jesus, qual o problema? Aonde que isso é desrespeito? Quando acontecem peças toda sexta-feira santa, todos os atores que encenam a crucificação de Cristo estão desrespeitando a religião? Ah, esqueci, quem estava na cruz ontem era uma transexual e isso não pode! São aberrações da natureza! Nossa! E ela mostrou os peitos! Quanta ousadia... Todos nós nascemos com roupas? Ah, e não são os mesmos fundamentalistas que alegam que a homossexualidade não é algo natural? Nada mais natural do que a nudez...
Ah, também não são os mesmos fundamentalistas que desrespeitam outras religiões, quebrando santos e chutando "macumbas"? Que irônico, não? Os cristãos pedem respeito, mas eles não respeitam as outras religiões! Ahhhh, como é bom generalizar...
Mas voltando ao tema, mesmo quando o protesto é válido, toda parada LGBT vira arma nas mãos dos moralistas. É o famoso tiro pela culatra. Quando vejo gays praticando orgia nas ruas e utilizando a manifestação apenas para diversão, fico intrigado e até eu que sou homossexual falo mal da passeata. Mas quando episódios, como a da transexual ontem, acontecem, volto a acreditar na necessidade de acontecer esse tipo de evento. É nesses dias que se dá pra observar nitidamente a classe opressora se passar por oprimida. Uma pontinha de dó nasce no meu coração.

Imagem do Facebook. Fonte desconhecida.

Aos que criticaram a transexual, tente imaginar como é a vida de uma pessoa trans na sociedade. Vocês pensam que gays sofrem? A opressão sofrida por pessoas transexuais na sociedade é muito maior, muito mesmo. A maioria é expulsa de casa, não conseguem completar os estudos devido a hostilidade e sofrem marginalização no mercado do trabalho. Mas isso é apenas um resumo superficial e raso. Pesquisem e vejam como é a vida de uma pessoa transexual. Assim aposto que você irá pensar duas vezes antes de pensar em apontar o dedo para a manifestante de ontem, esteja você do lado dos religiosos fanáticos ou do próprio grupo LGBT.

01/06/2015

Filme "A Caça" e o perigo do julgamento impulsivo

Imagine a seguinte situação: uma criança de 6-8 anos de idade acusa um funcionário da escola de ter a abusado sexualmente.

Qual é a sua primeira reação? Provavelmente a revolta contra esse funcionário. Aliás essa é a atitude de praticamente todas as pessoas. Talvez a psicologia deva explicar melhor essa nossa tendência de sempre ficar do lado do mais fraco na maioria das ocasiões (isso mesmo, não é em todas, depende do construto social que vou explicar no decorrer do texto), mas como não tenho conhecimento da área, tratarei sob o aspecto  cultural e social.

Quem assistiu ao filme "A Caça" - e quem não, procure assistir urgentemente pois se trata de uma grande película -, sabe muito bem dessa situação que mencionei no primeiro parágrafo. As pessoas de uma pequena cidade do interior se revoltam contra um funcionário da creche que segundo uma criança teria a mostrado seu órgão sexual. Observamos atitudes de afastamento familiar até agressões físicas e ameaças de morte ao acusado. Com aquele velho jargão de que "criança não mente" todos nós tendemos a confiar cegamente numa criança, ainda mais quando a acusação é de abuso sexual, pois é algo tão grave que sempre mexe com o lado impulsivo do ser humano já que imaginamos que poderia ser uma criança próxima da gente.

"A Caça" (Título original: Jagten). Um ótimo filme que mostra as duras consequência de uma falsa acusação.


No caso do filme, o acusado é inocente e o diretor trabalha realmente em cima disso: deixar o expectador agonizado em saber que toda aquela reação violenta contra o protagonista desde o início da história é injusta. E essa agonia é exatamente para nos alertar que, por mais delicada que seja uma situação, jamais devemos deixar nos mover pela impulsão e senso comum. Por mais grotesca que seja uma acusação, devemos sempre colocar em mente a possibilidade de inocência de alguém. Sabemos da complexidade e das artimanhas da mente humana. Nem tudo é o que parece. Queremos tomar a exceção como regra? Não, mas sim estimular o uso da razão e do senso crítico.

Voltando ao ponto onde falo que nem todas as vezes a tendência de se ficar do lado mais fraco da história se concretiza. Sabemos que socialmente e culturalmente vivemos em um mundo tomado por preconceitos. Ainda hoje há racismo e homofobia. E esse é o lado x da questão: quando um homossexual alega ter sofrido violência de cunho homofóbico, por exemplo, a sociedade tende a se dividir com uma parte realmente acreditando que ocorreu sim homofobia e se indignando e a outra parte alegando que homossexuais são vitimistas, justificando a agressão por ser um ato passional ou até mesmo provocado pelo próprio acusador. Observe que no caso da acusação de abuso contra uma criança praticamente - ou absolutamente - ninguém fica do lado do acusado alegando que a menina é mentirosa, dissimulada, etc. É essa a interferência que evidencia a presença de preconceitos no julgamento social. Nesse caso especificamente, os LGBT tendem a acreditar cegamente  no acusador e ficar do seu lado, por conta da homofobia que de fato existe e conviverem com isso diariamente. Essa análise cega (sem evidências) é complicada, pois nada impede que um homossexual faça uma acusação infundada contra alguém que não goste e queira prejudicar, por mais improvável que essa hipótese possa parecer.

Quanto ao racismo, podemos dar um exemplo semelhante. Hoje em dia o racismo diminuiu consideravelmente com relação a décadas atrás. Mas de forma alguma é algo pequeno. Por mais que as pessoas lutem para não ser racistas, há quase sempre pensamentos racistas lá no fundo de suas mentes. Sim, por mais que grande parte das pessoas não se considerem racistas, a maioria ainda tende a julgar um negro na rua como um possível criminoso (mais do que considera um branco, por exemplo). Portanto, num caso de acusação de racismo sem evidências, a maioria da sociedade tende a ficar do lado do acusador, mas uma boa parte ainda irá dizer que negros são vitimistas e assumam, mesmo que não declarem, que estão do lado do acusado. Mais uma vez a acusação, até então sem evidência, pede neutralidade de todos nós. Assim como a possibilidade da acusação ser verdadeira, até por conta do racismo existir, há também a possibilidade da acusação ser falsa para prejudicar alguém.

Ressalto mais uma vez que esse binarismo todo é errado. No caso do abuso, o acusado pode ser tanto vítima quanto criminoso. Nos casos da homofobia e racismo, também. Por mais que a tendência do ser humano seja agir por impulso e pelos seus instintos, todos devemos trabalhar o nosso lado racional. O simples fato de alguém ser o lado frágil da história não pode ser o embasamento para julgá-lo como vítima e o acusado como vilão. Uma falsa acusação e um julgamento social equivocada pode acabar com a vida de uma pessoa.

Então lembre-se: na falta de evidências, nunca assuma um lado.