01/06/2015

Filme "A Caça" e o perigo do julgamento impulsivo

Imagine a seguinte situação: uma criança de 6-8 anos de idade acusa um funcionário da escola de ter a abusado sexualmente.

Qual é a sua primeira reação? Provavelmente a revolta contra esse funcionário. Aliás essa é a atitude de praticamente todas as pessoas. Talvez a psicologia deva explicar melhor essa nossa tendência de sempre ficar do lado do mais fraco na maioria das ocasiões (isso mesmo, não é em todas, depende do construto social que vou explicar no decorrer do texto), mas como não tenho conhecimento da área, tratarei sob o aspecto  cultural e social.

Quem assistiu ao filme "A Caça" - e quem não, procure assistir urgentemente pois se trata de uma grande película -, sabe muito bem dessa situação que mencionei no primeiro parágrafo. As pessoas de uma pequena cidade do interior se revoltam contra um funcionário da creche que segundo uma criança teria a mostrado seu órgão sexual. Observamos atitudes de afastamento familiar até agressões físicas e ameaças de morte ao acusado. Com aquele velho jargão de que "criança não mente" todos nós tendemos a confiar cegamente numa criança, ainda mais quando a acusação é de abuso sexual, pois é algo tão grave que sempre mexe com o lado impulsivo do ser humano já que imaginamos que poderia ser uma criança próxima da gente.

"A Caça" (Título original: Jagten). Um ótimo filme que mostra as duras consequência de uma falsa acusação.


No caso do filme, o acusado é inocente e o diretor trabalha realmente em cima disso: deixar o expectador agonizado em saber que toda aquela reação violenta contra o protagonista desde o início da história é injusta. E essa agonia é exatamente para nos alertar que, por mais delicada que seja uma situação, jamais devemos deixar nos mover pela impulsão e senso comum. Por mais grotesca que seja uma acusação, devemos sempre colocar em mente a possibilidade de inocência de alguém. Sabemos da complexidade e das artimanhas da mente humana. Nem tudo é o que parece. Queremos tomar a exceção como regra? Não, mas sim estimular o uso da razão e do senso crítico.

Voltando ao ponto onde falo que nem todas as vezes a tendência de se ficar do lado mais fraco da história se concretiza. Sabemos que socialmente e culturalmente vivemos em um mundo tomado por preconceitos. Ainda hoje há racismo e homofobia. E esse é o lado x da questão: quando um homossexual alega ter sofrido violência de cunho homofóbico, por exemplo, a sociedade tende a se dividir com uma parte realmente acreditando que ocorreu sim homofobia e se indignando e a outra parte alegando que homossexuais são vitimistas, justificando a agressão por ser um ato passional ou até mesmo provocado pelo próprio acusador. Observe que no caso da acusação de abuso contra uma criança praticamente - ou absolutamente - ninguém fica do lado do acusado alegando que a menina é mentirosa, dissimulada, etc. É essa a interferência que evidencia a presença de preconceitos no julgamento social. Nesse caso especificamente, os LGBT tendem a acreditar cegamente  no acusador e ficar do seu lado, por conta da homofobia que de fato existe e conviverem com isso diariamente. Essa análise cega (sem evidências) é complicada, pois nada impede que um homossexual faça uma acusação infundada contra alguém que não goste e queira prejudicar, por mais improvável que essa hipótese possa parecer.

Quanto ao racismo, podemos dar um exemplo semelhante. Hoje em dia o racismo diminuiu consideravelmente com relação a décadas atrás. Mas de forma alguma é algo pequeno. Por mais que as pessoas lutem para não ser racistas, há quase sempre pensamentos racistas lá no fundo de suas mentes. Sim, por mais que grande parte das pessoas não se considerem racistas, a maioria ainda tende a julgar um negro na rua como um possível criminoso (mais do que considera um branco, por exemplo). Portanto, num caso de acusação de racismo sem evidências, a maioria da sociedade tende a ficar do lado do acusador, mas uma boa parte ainda irá dizer que negros são vitimistas e assumam, mesmo que não declarem, que estão do lado do acusado. Mais uma vez a acusação, até então sem evidência, pede neutralidade de todos nós. Assim como a possibilidade da acusação ser verdadeira, até por conta do racismo existir, há também a possibilidade da acusação ser falsa para prejudicar alguém.

Ressalto mais uma vez que esse binarismo todo é errado. No caso do abuso, o acusado pode ser tanto vítima quanto criminoso. Nos casos da homofobia e racismo, também. Por mais que a tendência do ser humano seja agir por impulso e pelos seus instintos, todos devemos trabalhar o nosso lado racional. O simples fato de alguém ser o lado frágil da história não pode ser o embasamento para julgá-lo como vítima e o acusado como vilão. Uma falsa acusação e um julgamento social equivocada pode acabar com a vida de uma pessoa.

Então lembre-se: na falta de evidências, nunca assuma um lado.

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