12/01/2015

Charlie Hebdo e o atentado à Liberdade de Expressão



Imaginem um mundo em que nenhuma ideologia/dogma/pensamento pudesse ser questionado, debatido ou ironizado. Imaginaram? Pois é, se isso fosse uma regra, não teríamos a dita liberdade de expressão e, consequentemente, nem a dialética. O recente ataque terrorista promovido por muçulmanos à sede da revista francesa Charlie Hebdo por publicar  charges ironizando o islão evocou evocou o debate: existe um limite para a liberdade de expressão?

Para responder a tal pergunta é necessário discernir a liberdade de expressão do discurso de ódio. Nenhuma ideologia, dogma ou pensamento (religião está inclusa neste pacote) é à prova de críticas, debate ou ironias. Isso é liberdade de expressão. Agora, quando se ataca generalizando, discriminando ou estimulando a violência (física ou verbal) contra pessoas, isso é discurso de ódio. Isso ficará mais claro com uma exemplificação simples:

"Sou contra o movimento LGBT, pois acredito que eles só querem privilégios." (Por mais banal que seja essa frase, ela é uma liberdade de expressão, pois está criticando um movimento/ideologia.)

"Esses gayzistas são uns filhos da puta, temos que nos unir pra descer o porrete neles." (Isso sim é um discurso de ódio, pois estimula violência contra pessoas).

Para religiões, não há diferenças. Uma coisa é questionar/ironizar qualquer religião, outra é generalizar ou incentivar a violência contras pessoas, independentemente de seus credos. Percebam, mais uma vez, as diferenças com os seguintes exemplos:

"Cristãos são idiotas." (Discurso de ódio, mesmo que religião não seja uma condição assim como raça ou sexualidade, tal afirmação é generalizatória).

"Acho ridículo o fato de certos cristãos atribuírem tudo de ruim que acontece ao diabo." (Liberdade de expressão, pois faz uma crítica aos posicionamentos e atitudes de pessoas que seguem tal religião).

"Tal pastor é um canalha, pois explora seus fiéis." (Liberdade de expressão, pois critica atitudes de determinado religioso).

"A Bíblia [o Alcorão ou qualquer outro livro sagrado] é tão contraditória que chega a parecer um livro de piadas." (Liberdade de expressão, pois critica um objeto).

"Umbandistas são aberrações e precisam ser confrontados." (Discurso de ódio, além de generalizar, a frase estimula segregação, conflito e, até mesmo, violência).

"O Umbandismo é uma religião deplorável." (Liberdade de expressão, critica uma religião).

Algo que desejo salientar dois pontos. O primeiro é que afirmações que desfrutam de tal liberdade de expressão não são necessariamente certas ou erradas, positivas ou negativas. Existem pessoas que utilizam essa liberdade pra dizer coisas sem sentido, vagas e banais e as que conseguem conciliar com argumentos coesos e claros. O segundo é que o objetivo de tudo que fora escrito até o momento não é o de ditar regras, mas sim expor uma opinião pessoal. Além disso, tenho senso de realidade para perceber que são poucos os que possuem uma maturidade suficiente para distinguir a liberdade de expressão do discurso de ódio.

Para concluir então a pergunta do primeiro parágrafo: existe um limite para a liberdade de expressão? Nenhum movimento, dogma, ideologia ou opinião são à prova de críticas, de debates. O que deve ser combatido é o estímulo à violência e discriminação contra PESSOAS, ou seja, o discurso de ódio.

Agora podemos falar do ataque de Charlie Hebdo. 

Na minha opinião, a religião, de maneira geral, é um dos assuntos  que mais precisa de debates e críticas. As religiões são responsáveis por vários aspectos negativos da humanidade, tanto no passado quanto no presente: da imposição de valores até ao extremismo, este provocando inúmeras guerras e atentados violentos que já ceifaram milhões (seriam bilhões?) de vidas.

Mais do que um exercício de liberdade de expressão, a crítica às religiões por seus valores totalitários e retrógrados, é uma obrigação não só da mídia, mas também de todos que não concordam com elas. O atentado em Paris é mais uma grande prova da necessidade dessa crítica e do combate ao extremismo religioso, este que faz questão de mostrar que não existem limites para tentar inibir críticas.

Portanto, considerar que a revista francesa teve sua parcela de culpa ao "provocar" determinada religião, seria o mesmo que pôr uma parcela de culpa a um jornal por sofrer atentado terrorista após satirizar um governo, por exemplo. E mais profundamente: seria o mesmo que dizer que um gay foi culpado de sofrer homofobia na rua por estar beijando seu parceiro.

Infelizmente, os mortos do atentado em Paris entram para a estatística de vítimas do fanatismo e extremismo das religiões. Mais uma mancha de sangue para a história da humanidade.

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