28/12/2012

Adaptação

"Querido Pai,

Estou aqui observando as luzes da cidade pela janela do meu apartamento. A Sindy está comigo, fazendo companhia. Ainda lembro de quando éramos uma família grande, unida e feliz, dos domingos onde a macarronada era lei e dos filmes que assistíamos juntos. Hoje eu me olhei no espelho, me deparando com a minha idade, com os meus traços... Encarei meus próprios olhos e uma lágrima escorreu de um deles. Já haviam presenciado muita dor, muitas mudanças. Tento, mas não consigo me imaginar antigamente. Não sei os motivos das minhas antigas atitudes e posturas. Só sei que... bem, que eu sempre dei pouco valor ao meu presente, ignorando o futuro e remoendo o passado. Esse ciclo vicioso talvez me acompanhe até o final de minha jornada. Quanto mais anos vividos, menos vejo sentido na vida. Primeiro a vida nos faz amar pessoas, daí com o tempo elas vai nos tirando esses pessoas, como se tudo fosse proposital. Amor e perda andam uma do lado da outra. Sabe pai, para mim era inimaginável ficar longe de você e da mamãe. A agonia tomava conta de meus pensamentos. Quando era criança, lembro que não queria ir para escola. Mamãe me levou no primeiro dia e eu cai em prantos, não querendo me separar dela. Mas os dias foram passando e eu me adaptei àquela realidade. Quando a mamãe morreu de câncer, quando eu tinha 15 anos, perdi totalmente o chão. E com o tempo, me adaptei à essa perda. Quando fui chamado ao exército, passei noites sem dormir. O primeiro mês foi tão duro e percebi que um dos meus maiores pesadelos havia se tornado realidade. Jornada após jornada, fui fazendo amizades, aprendendo a trabalhar em equipe e criei amor por aquilo tudo! Eu estava amando aquilo que sempre temi. Mas a minha maior adaptação foi quando resolvi ser eu mesmo. Me afastei daquela vida que você e toda a família julgavam ideal para correr atrás da minha própria felicidade. Me lembro até hoje da surra que me deu quando soube que eu estava namorando o Marcos. Aquilo me feriu, não só fisicamente. Por que eu não poderia ser livre para ser o que sou? O Marcos me acolheu e me levou para a casa dele. Praticamente estávamos levando uma vida de casados. Mais uma vez percebi que me adaptei. Pois é, não é o tempo que cura tudo, mas sim, a adaptação. Lógico que a adaptação é aliada do tempo, mas ele é apenas o coadjuvante. Se não fosse a nossa capacidade de adaptação, de nada adiantaria o tempo passar. E é essa adaptação que faz toda a minha vida ter menos sentido. O Marcos sofreu um acidente de moto ontem e acabei de receber a notícia do seu falecimento. Eu choro, não pela perda do meu grande amor, mas sim porque eu sei que daqui alguns meses irei me adaptar mais uma vez...

E... mais uma vez, eu peço que esqueça o seu orgulho e se deixe adaptar ao fato do seu filho ser diferente daquilo que você queria que fosse.

Do filho que te ama,

Robson."

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